Um leão chamado Eriberto e o Rei Lagarto
Eriberto Leão em Jim. Esse era o
nome do espetáculo que prometia, além de catorze músicas do Doors, alguns
poemas de autoria de seu memorável vocalista. É claro que eu precisava ir. Há
não mais que dois meses, havia assistido um cover de Porto Alegre (cujo nome eu
realmente não me lembro, o que é uma falha inadmissível, desculpem-me) e fiquei
absolutamente embasbacado com a maestria que não só as músicas, mas toda a
performance foram executadas. Então, se um ator global vem à cidade prometendo
uma interpretação do Jim Morrison, é natural que minhas expectativas batessem
lá no teto. Quarenta reais e um quilo de açúcar colocaram a mim e à minha
ansiedade dentro do Barbaquá Botequim noite passada.
Duas horas, dois cuba libres e uma
Bud long neck depois, Eriberto Leão saiu do backstage e caminhou em direção ao
palco trajando uma jaqueta de couro e uma peruca bastante fiel. E, claro,
agarrada em uma das mãos estava um litro de Johnnie Walker reduzido a menos da
metade. Como Jim Morrison fazia grande parte dos seus shows bêbado, eu tomei
isso como um ponto positivo. Mas quando, antes mesmo da primeira música, o
global começou a monologar, eu vi que as coisas não se desenrolariam assim dum
jeito tão bacana.
Não sei se o fato de o duo de
abertura – que fez um excelente trabalho, diga-se de passagem – ter encerrado
sua apresentação com hits do rock nacional e vivas a Cazuza, Cássia Eller, Raul
Seixas, etc, acabou revivendo no espírito ébrio do Eriberto um nacionalismo revoltado
quase da época da ditatura militar. Não sei se foi a própria conjuntura atual
da nação, com o julgamento dos mensaleiros, etc, etc. Não sei se, quando
garoto, Eriberto descobriu a magia do Doors enquanto lutava contra a ditatura
militar brasileira e, assim, os dois ficaram eternamente associados em sua
memória. Não sei quem ou o que foi o responsável por incutir no ator, naquela
noite em especial, esse viés “que país é esse?”, mas o fato é que a primeira
coisa que Eriberto Leão – travestido de Jim Morrison – fez ao segurar o
microfone foi falar dos 100 mil que tomaram a Avenida Afonso pena quando o
“gigante acordou”. Mas o “gigante dormiu de novo, caralho”. E esse seria,
grosso modo e salvas algumas digressões, o tom geral do concerto. Protestos
vazios e urros de revolta contra o Brasil permearam quase todo monólogo que o
cantor/ator fez entre e, também, durante grande parte das canções. Riders On
The Storm contra a corrupção. Love Me Two Times contra os impostos
exorbitantes. Independente da qualidade do discurso salve-o-país, aquele não
era o momento. Eu não fui a um show do Doors para ver o Jim Morrison gritar que
o meu país é uma merda.
O que acabou acontecendo foi que
Eriberto não conseguiu, como Jim, envolver-me (poderia me arriscar a falar pela
plateia como um todo, mas é mais sensato manter a primeira pessoa do singular)
e me levar na viagem entre soturna e psicodélica que o Doors é capaz de
oferecer. O discurso político-esvaziado matou qualquer chance que esse clima
soturno-sombrio teria de proliferar e dominar a noite. E ainda houve a
arrogância monstruosa de clamar que “esse aqui não é um ator querendo parecer o
Jim Morrison. Isso é o Jim Morrison incorporado em um ator”- ou algo do gênero.
O que realmente me parecia, na verdade, era um sujeito fantasiado como Jim
esgoelando-se no palco, crente de sua transcendência, imerso em sua própria e
individual viagem, sem perceber que, perante o público, ele apenas parecia um
coitado implorando pela possessão do espírito que ele tanto acreditava já ter
dentro de si. Eriberto não tentou interpretar Jim Morrison. Eriberto Leão
acreditou que, se estivesse bêbado o bastante, o espírito de Jim viria a si
naturalmente e ele faria um improviso digno do Doors. E seu improviso
embriagado não nos conduziu a lugar nenhum, exceto ao exato nacionalismo
ingênuo que impregnou os movimentos no meio do ano. Meus cumprimentos à banda
cover de Porto Alegre, que despertou em mim todo o sentimento que o espetáculo
“Jim” não conseguiu.
No entanto, eu gostaria de dizer
que ainda me alegro ao ver um ator global fazendo algo diferente. A intenção
era, de fato, das melhores. Não ficar preso aos projetos arroz-com-feijão da
Rede Globo e por para funcionar um projeto individual desse – um sonho próprio,
segundo ele – é algo que eu admiro. E cabe aqui ressaltar a raiva que Eriberto
Leão descarregou no palco, mordendo a mão que o alimenta ao rejeitar o título
de ator global e mandar as novelas à casa do caralho como um todo e etc. Achei
especialmente divertido ouvir “Me deram um piloto chato pra caralho pra fazer”,
referindo-se ao seu papel em uma das últimas novelas da Rede Globo. A impressão
que tive, em uma segunda análise mais calma e ponderada, foi que Eriberto Leão
estava lá no palco, levando esse espetáculo a cabo, muito mais para si mesmo do
que para o público. Uma catarse. Uma vontade de ser outra pessoa que não um
galã/ator global ao menos por algumas horas. Deu certo para ele, imagino. Mas,
infelizmente, não deu certo para mim. Como Jim Morrison, Eriberto Leão não
convenceu.
Contudo, isso não quer dizer que
o show foi ruim. Claro, não senti o clima característico do Doors e isso já
mata pelo menos metade da apresentação. Mas, ainda assim, as músicas foram bem
executadas e, também, cantadas. Nesse ponto, Eriberto aproximou-se um pouquinho
mais de Jim. Só que, ao leão, ainda falta o poder do Lizard King.
O bom:
- A peruca (um
charme, apenas)
- Hello I Love You
(Não sei por que, mas a execução dessa música me agradou bastante)
- The Spy (surpresa
agradável encontrar essa música no set list)
- A banda
O ruim:
- Faltaram hits como
Roadhouse Blues, Love Her Madly e L.A. Woman
- Excesso de álcool +
discurso nacionalista vazio e inapropriado à situação
- When The Music Is
Over (Não houve a execução clássica de mais de 15 minutos da música. Não deu
pra ouvir “the scream of the butterfly”).
- Nada dos poemas do
Jim Morrison
Nenhum comentário:
Postar um comentário