quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Um leão chamado Eriberto e o Rei Lagarto

Um leão chamado Eriberto e o Rei Lagarto



                 Eriberto Leão em Jim. Esse era o nome do espetáculo que prometia, além de catorze músicas do Doors, alguns poemas de autoria de seu memorável vocalista. É claro que eu precisava ir. Há não mais que dois meses, havia assistido um cover de Porto Alegre (cujo nome eu realmente não me lembro, o que é uma falha inadmissível, desculpem-me) e fiquei absolutamente embasbacado com a maestria que não só as músicas, mas toda a performance foram executadas. Então, se um ator global vem à cidade prometendo uma interpretação do Jim Morrison, é natural que minhas expectativas batessem lá no teto. Quarenta reais e um quilo de açúcar colocaram a mim e à minha ansiedade dentro do Barbaquá Botequim noite passada.
                Duas horas, dois cuba libres e uma Bud long neck depois, Eriberto Leão saiu do backstage e caminhou em direção ao palco trajando uma jaqueta de couro e uma peruca bastante fiel. E, claro, agarrada em uma das mãos estava um litro de Johnnie Walker reduzido a menos da metade. Como Jim Morrison fazia grande parte dos seus shows bêbado, eu tomei isso como um ponto positivo. Mas quando, antes mesmo da primeira música, o global começou a monologar, eu vi que as coisas não se desenrolariam assim dum jeito tão bacana.
                Não sei se o fato de o duo de abertura – que fez um excelente trabalho, diga-se de passagem – ter encerrado sua apresentação com hits do rock nacional e vivas a Cazuza, Cássia Eller, Raul Seixas, etc, acabou revivendo no espírito ébrio do Eriberto um nacionalismo revoltado quase da época da ditatura militar. Não sei se foi a própria conjuntura atual da nação, com o julgamento dos mensaleiros, etc, etc. Não sei se, quando garoto, Eriberto descobriu a magia do Doors enquanto lutava contra a ditatura militar brasileira e, assim, os dois ficaram eternamente associados em sua memória. Não sei quem ou o que foi o responsável por incutir no ator, naquela noite em especial, esse viés “que país é esse?”, mas o fato é que a primeira coisa que Eriberto Leão – travestido de Jim Morrison – fez ao segurar o microfone foi falar dos 100 mil que tomaram a Avenida Afonso pena quando o “gigante acordou”. Mas o “gigante dormiu de novo, caralho”. E esse seria, grosso modo e salvas algumas digressões, o tom geral do concerto. Protestos vazios e urros de revolta contra o Brasil permearam quase todo monólogo que o cantor/ator fez entre e, também, durante grande parte das canções. Riders On The Storm contra a corrupção. Love Me Two Times contra os impostos exorbitantes. Independente da qualidade do discurso salve-o-país, aquele não era o momento. Eu não fui a um show do Doors para ver o Jim Morrison gritar que o meu país é uma merda.
                O que acabou acontecendo foi que Eriberto não conseguiu, como Jim, envolver-me (poderia me arriscar a falar pela plateia como um todo, mas é mais sensato manter a primeira pessoa do singular) e me levar na viagem entre soturna e psicodélica que o Doors é capaz de oferecer. O discurso político-esvaziado matou qualquer chance que esse clima soturno-sombrio teria de proliferar e dominar a noite. E ainda houve a arrogância monstruosa de clamar que “esse aqui não é um ator querendo parecer o Jim Morrison. Isso é o Jim Morrison incorporado em um ator”- ou algo do gênero. O que realmente me parecia, na verdade, era um sujeito fantasiado como Jim esgoelando-se no palco, crente de sua transcendência, imerso em sua própria e individual viagem, sem perceber que, perante o público, ele apenas parecia um coitado implorando pela possessão do espírito que ele tanto acreditava já ter dentro de si. Eriberto não tentou interpretar Jim Morrison. Eriberto Leão acreditou que, se estivesse bêbado o bastante, o espírito de Jim viria a si naturalmente e ele faria um improviso digno do Doors. E seu improviso embriagado não nos conduziu a lugar nenhum, exceto ao exato nacionalismo ingênuo que impregnou os movimentos no meio do ano. Meus cumprimentos à banda cover de Porto Alegre, que despertou em mim todo o sentimento que o espetáculo “Jim” não conseguiu.
                No entanto, eu gostaria de dizer que ainda me alegro ao ver um ator global fazendo algo diferente. A intenção era, de fato, das melhores. Não ficar preso aos projetos arroz-com-feijão da Rede Globo e por para funcionar um projeto individual desse – um sonho próprio, segundo ele – é algo que eu admiro. E cabe aqui ressaltar a raiva que Eriberto Leão descarregou no palco, mordendo a mão que o alimenta ao rejeitar o título de ator global e mandar as novelas à casa do caralho como um todo e etc. Achei especialmente divertido ouvir “Me deram um piloto chato pra caralho pra fazer”, referindo-se ao seu papel em uma das últimas novelas da Rede Globo. A impressão que tive, em uma segunda análise mais calma e ponderada, foi que Eriberto Leão estava lá no palco, levando esse espetáculo a cabo, muito mais para si mesmo do que para o público. Uma catarse. Uma vontade de ser outra pessoa que não um galã/ator global ao menos por algumas horas. Deu certo para ele, imagino. Mas, infelizmente, não deu certo para mim. Como Jim Morrison, Eriberto Leão não convenceu.
                Contudo, isso não quer dizer que o show foi ruim. Claro, não senti o clima característico do Doors e isso já mata pelo menos metade da apresentação. Mas, ainda assim, as músicas foram bem executadas e, também, cantadas. Nesse ponto, Eriberto aproximou-se um pouquinho mais de Jim. Só que, ao leão, ainda falta o poder do Lizard King.

O bom:
- A peruca (um charme, apenas)
- Hello I Love You (Não sei por que, mas a execução dessa música me agradou bastante)
- The Spy (surpresa agradável encontrar essa música no set list)
- A banda

O ruim:
- Faltaram hits como Roadhouse Blues, Love Her Madly e L.A. Woman
- Excesso de álcool + discurso nacionalista vazio e inapropriado à situação
- When The Music Is Over (Não houve a execução clássica de mais de 15 minutos da música. Não deu pra ouvir “the scream of the butterfly”).
- Nada dos poemas do Jim Morrison


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