Bem pessoal, primeiro de tudo eu queria agradecer a vocês que vêm lendo essa estorinha. Agradeço de coração àqueles que têm a paciência de gastar uns minutinhos para acompanhar as aventuras de Rheinz, Lemmy, Maglor, Durotar e cia. E agradeço especialmente quem, além de ter lido, fez um comentário ou outro, fossem críticas boas ou más. Nada é mais gratificante para quem está começando do que constatar que possui uma base sólida de pessoas para se apoiar. Obrigado mesmo.
Agora, falaremos um pouco da história. O capítulo quinto é, com certeza, o maior que fiz até agora. Toda a ação acontece em Valkaria, no agito da cidade (de onde vem o nome do capítulo). Algumas coisas com relação a esses estranhos homens de preto que são sempre citados foram esclarecidas, novas alianças importantes foram formadas, um novo e importante personagem foi apresentado e houve uma guinada do rumo dos que já estavam presentes. Enfim, é um capítulo importante e que eu particularmente gostei de certas passagens, em especial as que envolvem William Goldenbullet.
Agora, sem mais delongas, com vocês... Valkaria Groove!
Capítulo V - Valkaria Groove
— Queenie, onde está meu fraque? – uma forma esguia andava com o torso descoberto e marcado por cicatrizes por entre os corredores de um casarão antigo e mobiliado com esmero. Cadeiras de espaldar alto com arabescos em ouro, diversos quadros retratando paisagens de prados belíssimos e intocados pela civilização, grandes espelhos pelos corredores, toda uma combinação que resultava em um efeito de aconchego e opulência. O ser possuía longas e pontudas orelhas que lhe saíam pelo cabelo negro, que por sua vez caía-lhe pela bela face, intocada por ferimentos. O cenho estava contraído de um jeito que traía impaciência. — Queenie!
— Um minuto, um minuto! – uma voz feminina afobada irrompeu do andar de baixo e, em instantes, apareceu subindo as escadas uma humana diminuta, o rosto enrugado e chupado pelo tempo, os cabelos grisalhos presos em um coque apertado. Trajava uma roupa preta com um avental branco, os pés descalços. Entregou ao elfo uma espécie de terno vermelho que ia apenas até a cintura na parte da frente, prolongando-se atrás, e um colete negro.
— Já era hora. Você sabe como não gosto de me atrasar, Queenie. – vestiu o colete num piscar de olhos, colocando o fraque por cima. Virou-se para um espelho na parede à direita, admirando a si próprio enquanto ajeitava os últimos detalhes de sua vestimenta nobre: além do colete e fraque, trajava uma calça negra que caía sobre os longos canos de botas também negras, com alguns detalhes em dourado. Passou as mãos pelos cabelos e voltou-se para a empregada. — Agora, pode voltar o que tem de fazer. Se alguém me procurar, diga que estou mui ocupado e só voltarei à noite.
— Sim, senhor Shore. – abaixando o rosto, Queenie sumiu escada abaixo enquanto seu patrão, o aristocrata Jack Shore, pegava uma espécie de bengala e encaminhava-se para a porta da frente. Tinha uma reunião com uma série de negociantes importantes da cidade de Valkaria e teria que causar uma boa impressão, o que não era assim tão difícil. Passara toda sua vida enganando facilmente as pessoas, fingindo ser sempre um homem de posses e poder. Agora que possuía ambos, não lhe custava impressionar os outros e conseguir bons contratos que apenas multiplicavam sua fortuna, que de modesta ia passando gradativamente para um valor invejável.
Assim que fechou uma das mãos em volta da maçaneta da porta de entrada, bateram na madeira do outro lado. Jack assustou-se, pensando se deveria abrir ou não, já que queria evitar um encontro com algum aldeão a quem fizera uma promessa há muito tempo de comprar toda a produção de alface, ou então de encontrar um bom comprador para a criação de galinhas, coisas do gênero. Por fim, deu de ombros e resolveu cuidar logo disso. Girou a maçaneta e abriu a porta. O sol do meio dia invadiu a sala enquanto o elfo se via de frente a um homem em trajes simples, um chapéu negro (e a sombra por este projetada) escondendo a maior parte do rosto e uma espécie de sobretudo que, de tão puído que estava, possuía uma cor acinzentada.
— Jack Shore? – perguntou o estranho. Uma voz grave e contida.
— O próprio. – quase estufava o peito de tanto orgulho, afinal, era conhecido naquela área da cidade e não tinha medo de nada nem ninguém. Passara por muitos maus bocados e sabia lidar com valentões. E também, quando se tem um bom cavalo, não há motivos para deixá-lo enfurnado no estábulo.
— Tenho uma mensagem para você.
— Ótimo. Espero que não seja nenhum ald... – o queixo do elfo pendeu de assombro quando sentiu um cano prateado encostado em seu peito. Ou o estranho sacara a pistola tão rápido que nem os reflexos treinados de Shore conseguiram perceber o movimento, ou o elfo estava ficando enferrujado de tão ocioso, ou ambos.
— Hasta la vista, amigo. – Goldenbullet deu um debochado sorriso de canto. E disparou.
Will, Savanna, Kirk, Ted e Earl chegaram à Capital um pouco mais tarde do que o previsto, já que tiveram que fazer o último pedaço da viagem a cavalo. De acordo com as contas de Ted, Linda já deveria estar na cidade e, com um pouco de sorte, já teria dado cabo de Rheinz Hawk. Logo que entraram em Valkaria, os cinco foram a um estabelecimento qualquer onde pudessem fumar e traçar os planos do dia. Ainda de manhã, decidiram que Goldenbullet cuidaria de Jack Shore enquanto Savanna e os outros procurariam por Linda e Hawk, havendo de se encontrar naquele mesmo lugar quando Azgher estivesse exatamente no meio de sua jornada, brilhando com toda sua fúria inclemente.
— Buenas tardes companheiros! – o líder d’A Escória da Bala entrava no salão minúsculo a passos largos, meio sorrindo alegre enquanto mascava fumo. Rodava despreocupadamente uma das pistolas na mão direita. Sentou-se à mesa em que estavam todos, menos Kirk.
— Nenhum arranhão, Bill? – Savanna media o homem de cima abaixo, erguendo ligeiramente as sobrancelhas.
— Savanna, minha querida, vim da casa do nobre até aqui pensando em por que diabos você disse que seria difícil... – deu umas duas mascadas mais fortes e então cuspiu um grande pedaço de fumo triturado no chão já emporcalhado do lugar. — Bati na porta da frente, o elfo abriu e então, bang! O único problema é que veio uma serva gritando pra ver o que tinha acontecido. – fez uma pausa, roubando um gole da bebida de Ted, fazendo uma careta e olhando pro fundo da caneca. — Que diabos Ted, leite? – gargalhou, breve e intensamente. — Enfim, meti bala na velha também. Como os milicianos deveriam estar chegando por causa do barulho, tratei logo de desaparecer. E aqui estou! – sorriu, exibindo os dentes amarelados, parcialmente enegrecidos, por causa do fumo.
— Certeza que ele apagou de vez? – era a mulher, apoiando os cotovelos mesa e projetando o lábio inferior em uma espécie de bico.
— Certo como a noite vem depois de cada dia. Eu o vi caindo logo depois do tiro. – mantinha um tom jovial, enquanto Savanna apenas fazia um muxoxo. Parte da missão estava cumprida, de fato, mas ela parecia desapontada por William ter conseguido aquilo com tamanha facilidade. Não que ela não fosse capaz de fazer igual, mas apenas imaginara que Shore fosse um desafio maior. — E vocês – continuou Goldenbullet — Alguma notícia de Linda?
— Não. Na verdade, Kirk ainda não chegou por ter ficado procurando um pouco mais. Estranho, já era pra ela estar na cidade. – era Ted quem falava, os lábios contraídos e o semblante preocupado.
— Bah, certamente que acabou se envolvendo em um jogo de Wyrt em uma taverna qualquer – Wyrt era um popular jogo de azar no Reinado em que homens e mulheres ajuntavam-se em volta de mesas para horas de partida com apostas sempre subindo, os nervos esquentando e por fim algum duelo explodindo, geralmente envolvendo um mau perdedor.
— Hynnin queira que esteja certo, Bill – Earl disse em tom de prece, mas o Deus dos Ladrões pareceu ignorar, pois a figura que entrou no lugar logo em seguida trazia no semblante um prenúncio de más notícias: era Kirk, lívido como um fantasma, o chapéu vinha apertado contra o peito que subia e descia em uma respiração acelerada. Largou-se na cadeira livre da mesa, o olhar vago e os lábios tremendo. Todos os olhos nele.
— E então...? – William olhava-o com apreensão enquanto a ansiedade crescia de tal forma que era praticamente palpável.
— Linda. Capturada. Cartola. – despejou as palavras com certa dificuldade, sem fitar ninguém. Fechou os olhos com força, abrindo-os depois com várias piscadelas seguidas. Os outros, cada um recolheu-se aos próprios pensamentos, reclinando-se na cadeira. Depois de vários instantes, Savanna quebrou o silêncio.
— Vamos lá rapazes! Não vão se deixar intimidar, não é? Ainda temos uma parte da missão para concluir e devemos ser rápidos!
— É. Certo, mas precisamos resgatar Linda. – toda a vivacidade que William ostentava minutos há trás lhe fora sugada de uma só vez. Não era medo, apenas uma grande frustração pelo seu plano inicial ter falhado. Agora deveriam realizar desvios do percurso e isso os atrasaria, atrasando também a tão esperada recompensa.
— Ele, ele disse que queria conversar. Quer, quer propor algo, não sei ao certo... – Kirk já estava parcialmente recuperado, com sua tez normal. — Estaria próximo à estátua de Valkaria, mais ou menos nesse horário. – nem um instante depois de ouvir isso, William Goldenbullet levantou-se, as mãos espalmadas com força sobre a mesa.
— Então é isso. Falarei com o Louco. Vocês... Me esperem aqui. Até o fim do dia, vamos ter resolvido tudo isso. E com sorte, teremos um insano a menos em Arton. – levou a mão direita até um dos coldres, abaixando de leve a aba do chapéu enquanto dava seu sorriso de matador.
***
Pouco antes, naquela manhã, quando o grupo que tinha em posse a Ametista do Sacrifício abriu a porta da taverna da Gansa Mansa, deparou-se com duas figuras que se destacavam naquelas ruas só não desertas por causa de alguns aldeões: ambas altas, um usava uma bandana vermelha nos longos cabelos castanhos, uma camisa branca manchada coberta por um colete marrom, calças e botas simples. Trazia um sabre em um dos lados da cintura e saindo por ela, atrás da calça, o cabo de uma pistola. O outro usava uma túnica simples e de cor neutra, um cinza levemente puxado para o marrom, cabelos louros ligeiramente compridos, longas e pontudas orelhas. Sentados próximos à porta, pareciam esperar por algo enquanto jogavam conversa fora.
Azgher ainda não havia surgido no céu quando Rheinz Hawk levantara-se de seu leito na Gansa Mansa e, em questão de minutos, já se encaminhava para a saída. Ao abrir a porta, deparou-se com Aramil, que parecia revigorado, sorrindo no breu da noite.
— Ora, aí está algo que eu não esperava! – exclamou o pirata, um sorriso abrindo caminho no rosto sonolento.
— Eu quem o diga, capitão! Pensava que você fosse daqueles dorminhocos.
— E sou. Mas aconteceu algo que atrapalhou meu bom sono. – contraiu o rosto, fitando o vazio.
— E o que foi? – Parecia que o pirata nunca tinha descanso, sempre fugindo ou se preocupando com algo. Era como o mar: os breves momentos de calmaria são, na verdade, prenúncios de tempestades avassaladoras. Justo o que Aramil precisava para sair da morosidade que era sua vida antes de Hawk.
— Sente-se, meu caro amigo. – Rheinz apontou o chão e os dois se sentaram, as costas apoiadas na parede da taverna e então o pirata contou o que lhe acontecera naquela noite: antes de, de fato, ir dormir, fizera contato mais uma vez com Llandrak...
Deitado na cama de feno, o Espelho no colo gradativamente formando aquele rosto de pele arroxeada e olhos vermelhos. Não demorou muito e a voz assustadora do drow ecoava na mente de Rheinz.
— Então?
— Cheguei à Valkaria. Agora, será que não dava pra me dizer por que diabos vir até aqui?
— Há um grupo de viajantes. Eles também estão envolvidos com os homens de preto, mas ainda não sabem disso.
— Ah... – agora tudo começava a clarear. Eram eles a quem Wearenill se referira quando disse que Hawk não deveria lutar contra a morte sozinho. Sim, agora as coisas começavam a se encaixar.
— Mas cuidado. Vocês terão companhia, em pouco tempo.
— Ah, perfeito. Aposto que é uma horda de homens em mantos pretos, como sempre.
— Não. – O queixo de Rheinz caiu e suas sobrancelhas arquearam-se levemente.
— Não?! Como assim não? – Mas a resposta não veio, o Espelho apenas foi perdendo o foco e a imagem de Llandrak sumiu.
Aramil olhava pro solo com os olhos semicerrados, digerindo a informação que Rheinz acabara de lhe contar.
— Então, estamos aqui esperando um bando de aventureiros que não conhecemos para juntarmos forças enquanto outro bando que não temos a mínima ideia de quem é está vindo atrás de nós? – a resposta foi um balançar afirmativo de cabeça.
Os dois ainda trocaram preocupações por mais um tempo e já começavam a esboçar um plano de ação quando a porta da taverna se abriu. Eram seis, cinco homens e um minotauro, cada um com um tipo de equipamento, claramente de boa qualidade. O que vinha a frente era branco como neve, cabelos negros até abaixo do ombro, usando um sobretudo também negro e uma espada presa à cintura. Dois vinham em seguida, um conversando animadamente, mantos de um azul marinho com detalhes negros, cabelos até o pescoço, também negros. Sorria alegremente e sua voz denotava um bom humor contagiante, enquanto o que lhe acompanhava tinha cabelos cinza bem cortados e um aspecto soturno, cara fechada. Atrás, um elfo de longos cabelos louros e olhos esmeralda (Rheinz poderia jurar que era Aramil em uma túnica verde), trazendo uma aljava e arco às costas. Por fim, o minotauro metido em uma armadura dourada observava tudo com olhos de juiz.
— Com licença, senhores. – Rheinz levantou-se enquanto Aramil fazia o mesmo, e se aproximou do grupo. — Sou o Capitão Rheinz Hawk e esse é meu companheiro servo de Allihanna, Aramil RedBow. – realizou uma breve mesura. Humildade não era muito o seu estilo, mas sabia ser prudente. Os seis calaram-se imediatamente, todos concentrados no estranho.
— Olecram Zsotsog, servo de Wynna. Em que podemos lhe ajudar, Rheinz Hawk? – o homem do manto azul garbosamente tomou a frente. Os outros continuavam com um silêncio que intimidava.
— Bem – foi interrompido por uma alta gargalhada: a porta da taverna se abria mais uma vez, saindo de lá um jovem de cabelos castanho claro que vinha até o queixo, um chapéu chamativo e vestes vermelhas. Atrás dele, duas belas mulheres que fizeram os olhos acostumados a identificar beldades do pirata faiscarem.
— Perdão a demora amigos, houve um probleminha com o pagamento. – era aquele de chapéu quem dizia, sorrindo. Entretanto, seu sorriso só durou até ver o que acontecia. — Novos amigos? – perguntou, correndo os olhos de Rheinz para os outros. Não houve resposta e assim Hawk achou seguro continuar.
— Como dizia, eu e meu amigo aqui sabemos que vocês estão envolvidos no mesmo problema que nós, senhores. Um probleminha chato, vestido em vestes negras e cheio de magia.
— Como é que é? – o elfo arqueiro disse, quase em uma risada.
— Eu e Aramil estamos sendo perseguidos por homens, não sei se magos ou sacerdotes, que sempre estão em grande número, todos vestidos em mantos negros como àquele de Tenebra. E, saibam disso ou não, eles também procuram por vocês.
— Ah, Senhor Sabe-Tudo, por que é que eles estariam atrás de nós? – ainda o elfo arqueiro.
Aquele homem da bandana vermelha, que agora sabiam, chamava-se Rheinz Hawk, era intrigante. Apesar de Didier tomá-lo como um charlatão, ele falava com uma segurança de quem sabia que estava certo. Fosse como fosse, todos do grupo permaneciam intrigados, exceto Maglor, que mantinha seu rosto inexpressivo, os olhos aparentemente desfocados. Pensava.
— Bem. Eu não sei. – foi a resposta de Hawk à pergunta de Didier, fazendo-o rir de forma exagerada.
— Então meu caro Capitão, se nos dá licença, ainda temos que fazer uma entrega. – era Lemmy, já começando a se distanciar e esperando o grupo lhe seguir.
— É isso! A Ametista! – Maglor pareceu sair de seu torpor, o brilho voltando aos olhos. Virava-se para Mahatan enquanto tirava a Ametista da mochila – e odiaria a si mesmo pelo resto da vida por fazer isso – e mostrava ao bardo. — Palantir, você consegue estabelecer uma ligação entre esses homens de preto e essa gema?
— Com sua licença – o bardo pegava a jóia nas mãos, examinando-a. Rheinz sorria por dentro, sentindo tomar-se gradativamente pelo alívio de estar no caminho certo. Não mais que um instante se passou e Mahatan ergueu os olhos da Ametista para os demais, sorriu.
— Acho que deveríamos nos sentar para que eu possa contar-lhes uma história.
***
O grupo, que mais parecia um destacamento de exército, voltou para a Gansa Mansa, vazia no começo da manhã. Uniram algumas mesas e sentaram-se, Mahatan em uma das pontas, puxando os olhos de todos para si. Pigarreou. Pôs os braços sobre a mesa e inclinou o corpo em direção ao público.
— Há vários anos, existiu um pequeno grupo de servos de Leen, a face humana do Deus da Morte, Ragnar. Estes se uniram sob a liderança de Anandriel Napalalm e Kloen Roghenfard, dois visionários poderosos. À medida que ambos angariavam seguidores, conseguiam mais poder e com o tempo se organizaram em um grupo autodenominado A Lâmina de Leen. Foram tempos horríveis em que um rio de sangue correu por quase todas as áreas do Reinado. Dia e noite eram gélidos, mas não o frio com que estamos acostumados, um frio que atacava por dentro, que parecia afetar a alma. Um nevoeiro denso pairava sobre os locais em que a ação da Lâmina era mais intensa, trazendo medo. Pessoas trancavam-se em suas casas e ajoelhavam-se em oração, mas nada parecia conter a sede de sangue daquela seita. Entretanto, o tempo chegou para Kloen, que acabou perecendo. Aí a história diverge: alguns dizem que seu companheiro, Anandriel, ficou com medo da morte e realizou um ritual de transformação em lich. Outros dizem que o ritual foi feito apenas pela insaciável sede de poder. O fato é que a transformação ocorreu e Anandriel tornou-se um lich. E como filacteria usou uma jóia muito antiga em sua família, passada de geração a geração. – pausa. Mahatan olhou para o colar nas mãos de Maglor, respirou fundo e disse. — A Ametista do Sacrifício. – e então começou o burburinho, Lemmy socara a mesa, Bruce bradava impropérios, Olecram tinha um ataque de risos e os demais permaneciam calados. Com o tempo, o silêncio voltou a se instalar e o bardo pôde prosseguir.
— Mas, incapaz de controlar sua sede por poder, Anandriel reservou parte de sua força vital para um artefato que alguns dizem ser uma cimitarra, outros falam em um cetro, não se sabe ao certo do que de fato se trata, apenas que é a única coisa com poder suficiente para destruir a Ametista. Depois desse ocorrido, a seita continuou suas atividades cada vez mais destrutivas por anos, até que, inexplicavelmente, sumiu. Acabou-se, nem mais uma morte, nem uma mãe gritando mais durante a madrugada. Ninguém sabe o porquê, mas muitos especulam em uma guerra interna. O que se sabe é que, em certo dia, a névoa não estava mais presente no amanhecer, tampouco aquele frio de gelar a espinha. O que aconteceu ao lich e à sua Ametista, ninguém sabe. Ou pelo menos, assim se pensava até essa manhã. – terminou com um sorriso idêntico ao que dera antes ainda do lado de fora da taverna.
Ninguém ousou falar nada durante os próximos minutos. Cada um encaixando as informações que recebera, recordando acontecimentos passados. Até que, em uma fúria raras vezes vista, Maglor levantou-se de um salto e atirou violentamente o colar na parede, gritando.
— Merda! Merda! – apoiava-se agora na mesa, o rosto vermelho e as veias do pescoço saltadas. Respiração ofegante.
— Então, nós temos a filacteria, mas não temos como destruí-la. E agora temos uma seita em nosso encalço. O que fazer? – era Olecram, os braços cruzados e o rosto sério.
— Não sei, apenas sei que não podemos deixar a Ametista com Lusther. – foi Bruce quem disse e os demais concordaram em silêncio. Lusther Napalalm os havia contratado para buscar a Ametista do Sacrifício, uma jóia que estava na família Napalalm há anos, exatamente como o bardo acabara de dizer.
— Ainda digo que devemos ir a Zakharov, mesmo que não deixemos a jóia com Lusther, devemos ao velho algumas explicações. Além do mais, Mahatan disse algo sobre um artefato forjado para destruir a Ametista. Talvez o Reino das Armas tenha algo a nos ofercer, não? – De fato, Zakharov era conhecido com o Reino das Armas, a grande forja do Reinado, local onde eram feitas as armas de melhor qualidade, o que dava crédito à sugestão de Olecram.
— Então, senhores, acho que devemos ir, já perdemos tempo o bastante. – Bruce quem dizia, levantando-se e sendo imitado pelos outros. Toda aquela conversa havia tomado grande parte da manhã, tanto que a taverna estava agora com um movimento pouco maior. Lá fora, as ruas já adquiriam seu movimento típico da Capital do Reinado e Azgher queimava com mais intensidade.
Sob a sombra da enorme estátua da deusa Valkaria, exatamente no centro da cidade, William Goldenbullet aguardava sozinho. Olhava apreensivo para os lados, o chapéu ocultando-lhe parcialmente o rosto, procurando pelo Louco, mas sem sucesso. Sabia que O Cartola não tinha a mínima preocupação com horários e talvez nem mais se lembrasse da mensagem que enviara através de Kirk. William tirara o pé direito de uma parede em que estava apoiado, descruzara os braços e já partia quando escutou aquela vozinha esganiçada.
— Na-na-não! Não vá ainda meu caro Bill! – Instintivamente, as mãos do homem correram para a cintura, segurando os cabos das pistolas enquanto seus olhos de águia vasculhavam todo o perímetro ao seu redor, sem sinal do lunático.
— Hihi, olhe só para ele! Todo agitadinho! – William rilhava os dentes e contraía as sobrancelhas, uma veia do seu pescoço já saltava de raiva, até que gritou em voz de comando:
— Apareça! – e então, uma gargalhada explodiu. Era tão alta, tão intensa, que parecia vir de dentro de sua cabeça, parecendo que ia estourá-la. E foi bem aí que Goldenbullet percebeu: tudo aquilo vinha de sua mente. A odiosa telepatia d’O Cartola.
— Ah, agora sim, filinho – as palavras do Louco ribombavam dentro de William, que se controlara. — Veja só, eu mandei aquele seu amigo estúpido dizer que estava predisposto a entregar Ruth – nesse ponto, William gritou “Linda!” em tom de correção — Isso, que seja! Ele disse que eu estava disposto a entregá-la. Pois bem, mudei de ideia! – mais risadas.
— Quem sabe uma bala nos seus miolos não te faça voltar ao plano original, huh?
— Ah meu querido Bill, seria mais prudente a uma pessoa na sua situação não fazer ameaças! Só que, como eu estou me sentindo bem hoje, vou lhe dar algo em troca da sua amiguinha Linda. – risos abafados. — Vê aquela taverna ali? A Gansa Mansa? – William procurou e em segundos encontrou o estabelecimento, não mais que quinze metros de onde estava. — Pois bem, acredito que dentro de alguns minutos aquele homem que você e seus amiguinhos estão caçando sairá de lá. Então, divirta-se! E nem precisa agradecer hein! – mais risadas que iam lentamente diminuindo o volume, até sumir por completo nos confins da mente de Goldenbullet.
E, novamente, William esperou. Não se passara muito tempo quando, conforme o Cartola lhe dissera, o maldito pirata, o último e persistente problema, saiu da taverna junto com seu parceiro elfo. E não era só. Acompanhando os dois estava um contingente expressivo de pessoas, não simples campesinos ou milicianos, mas sim um grupo respeitoso de aventureiros. Grunhiu os dentes e abaixou a aba do chapéu, como se esse gesto fosse capaz de fazer-lhe invisível, e foi seguindo aquele destacamento à distância, traçando um novo plano de abordagem.
Seguiu-os até o local onde Savanna e os outros estavam, próximo aos portões da cidade. Entrou no projeto porco de taverna para avisar-lhes da mudança de planos e então partirem, cuidando para que não perdessem Hawk de vista.
— Então nosso pirata encontrou uns amiguinhos? – era Savanna, terminando de selar o cavalo.
— Ié, isso mesmo. Muitos amiguinhos. – Bill já estava montado, costas eretas, olhando para a saída da cidade, aquele grupo imenso se distanciando.
— Então, vamos caçá-los velho Bill! Caçá-los como as perdizes que são! – bradou a mulher, apoiando um dos pés no estribo e montando com uma destreza impressionante, um gesto natural, parte dos cabelos negros cintilando ao sol. Os demais gritaram em aprovação. E então, cavalgaram para fora de Valkaria.
***
Escuridão e silêncio. Nem um fiapo de luz, nem um mísero barulho sequer. Talvez aquilo fosse a morte, talvez aquela bala não fosse uma bala comum e atravessara seu colete mágico, talvez abrisse os olhos agora mesmo e se deparasse com a grande mãe Glórienn, seus belos cabelos púrpura e feições delicadas logo a sua frente. Com esse pensamento, Jack Shore forçou os olhos a se abrirem, mas ao contrário do que esperava, não havia Glórienn alguma. A frente do teto, duas faces masculinas cobertas por grossas barbas, os rostos protegidos por capacetes metálicos, encaravam-lhe, enquanto apenas o barulho de sua própria respiração, dificultada por um aperto doloroso no peito, era audível.
— Senhor Shore? – perguntava um dos guardas ao mesmo tempo em que, com uma dificuldade indizível, Shore sentava-se fazendo uma careta, a mão direita sobre o local em que a bala lhe acertara. Esperou alguns instantes até a dor amainar e então tirou o fraque, arrancando o colete em seguida. E aí, pode ver claramente: no lado esquerdo havia um grande chamuscado, local em que a bala acertara e fora absorvida pela magia do colete. Sobre sua camisa branca restava nada mais que uma mancha de fuligem e, abaixo dela, um hematoma sobre a pele alva.
— Queenie! Queenie, onde está você? – levantara-se, ignorando os milicianos que agora o seguiam. O elfo subiu as escadas da casa procurando pela governanta quando estacou, horrorizado. — Glórienn seja louvada... – boquiaberto, fitava o corpo da mulher estendido no chão, os olhos arregalados em uma expressão de choque, um buraco vermelho no meio da testa e, envolta dela, seus cinco melhores guardas também abatidos de forma semelhante. Ajoelhou-se diante do corpo inerte de Queenie e desceu-lhe as pálpebras, fazendo uma prece silenciosa. Por fim, abriu os próprios olhos, no rosto não mais aquela expressão de comodismo e folga, mas sim uma ferina, os olhos chamejando, o cenho contraído. Levantou-se e correu até o porão, onde ficavam algumas recordações da época de aventureiro. Era hora de abandonar, pelo menos temporariamente, aquela vida de nobre e voltar a percorrer Arton, mas não mais em busca de ouro, e sim de vingança. Não por apenas pela morte de Queenie, quase uma segunda mãe, mas também pelo orgulho élfico de Shore que havia sido manchado e o único jeito de limpá-lo era com sangue.
Munido de seu equipamento antigo, as vestes finas, porém mais resistentes, duas espadas curtas, uma mochila de viagem e uma série de itens mágicos, Jack partiu.
— Usava chapéu e uma pistola, não tenho idéia de quem era, senhores. Mas pegarei o desgraçado, pegarei. – Avisou aos guardas enquanto saía pela porta da frente. De fato não sabia quem cometera o atentado, nem onde estava e nem como iria achá-lo, apenas sabia que iria se vingar, não importando o que fosse preciso fazer para isso.
sábado, 4 de abril de 2009
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