Prólogo
— A floresta é um grande prostíbulo! Sempre há uma boa ninfa a fim de uma trepada, mas em vez de ouro, o preço é sua vida. — assim falou o homem de chapéu, gesticulando um dos braços repleto de pulseiras enquanto mantinha o outro apoiado no balcão da taverna. Era noite e o estabelecimento estava sendo brindado com uma clientela nunca vista em meses. Desde que aquela névoa estranha recobrira a cidade, os aldeões pareciam amedrontados e evitavam sair de casa logo após o crepúsculo. Mas aquela era uma noite especial, sim senhor.
— Como ousa?! — duas canecas cheias de hidromel por pouco não caíram do balcão quando uma mão de dedos longos e ágeis nele bateu. A face normalmente plácida em que aqueles olhos verdes ficavam estava agora quase tão rubra quanto as nuvens da Tormenta. — A floresta é um reduto sagrado, Hawk. Bem melhor do que.. do que... – agitava as mãos, indicando o cenário ao redor. — ...Do que essas porcarias de cidades que vocês tem aqui. – um meio sorriso se pronunciou no rosto de Rheinz Hawk. Calmamente, tirou um fiapo de feno que pendia da boca e bebeu um gole de seu rum e só então voltou a fitar o elfo ao seu lado. — Meu caro Aramil, quem falou em cidades? – o sorriso alastrou-se, iluminando aquele rosto queimado de sol, com o queixo pontudo adornado por um farto cavanhaque – Eu falo de navios!
Rheinz Hawk e Aramil Redbow eram belos companheiros há exatos quinze minutos, mas entre aventureiros, dividir uma história e algumas canecas de bebida cria vínculos quase fraternos. Nesse tempo, os dois haviam trocado algumas experiências passadas, dizendo o que os trazia até Malpetrim, em uma taverna acabada perto do porto da cidade, a Demônio Abissal. Um local tão ruim quanto o nome sugeria, tudo feito de madeira inchada pela alta umidade, quando não comida por cupins, janelas quebradas, deixando a brisa marítima à vontade para ir e vir, causando frio e tornando difícil acender velas, conferindo ao salão da taverna uma penumbra desconfortável. Rheinz dissera há pouco que era um pirata que perdera o navio em uma tempestade maldita em alto mar. Chegara até a costa nadando, Oceano como testemunha do seu feito. Aramil, um druida de Allihanna, viera de uma floresta nas redondezas seguindo uma lenda que ouvira há algumas semanas, algo sobre um Kraken na costa de Malpetrim. — E você acreditou nisso? É Petrynia rapaz! Não acredite em nada, nada que ouvir aqui! – dissera Rheinz ao escutar a história do elfo. O Reino em que estavam era conhecido pelas suas lendas misteriosas em que, de um total de dez, com sorte, duas acabavam sendo verdade. Em algum ponto da discussão, o assunto voltara-se para a Floresta que rodeava a cidade e então Rheinz proferira aquele comentário, fazendo o elfo exaltar-se, enquanto o pirata mantinha uma expressão de quem não se divertia tanto fazia tempo. — E, além do mais, quem disse que prostíbulos não podem ser redutos sagrados? Certa vez em Ahlen... – levantara o dedo indicador, falando em tom professoral, mas acabou interrompido.
— Chega, chega Rheinz, maldito seja. Só beba seu rum e mude de assunto, pela doçura da Deusa... – suspiro de um, risada de outro. Mais goles e nova conversa.
***
Os minutos se arrastaram e a noite prosseguiu cada vez mais negra. Com o tempo, o burburinho da taverna se transformou em um barulho alto e constante que saía pelas janelas quebradas e espalhava-se porto afora. Humano e elfo já haviam se tornado quase companheiros de infância entre goles, tibares e risos. Apostas corriam soltas por algumas mesas mais aos cantos do lugar, moças tinham as pernas apalpadas quando passavam perto de onde se sentavam um grupo de meio-orcs, o onipresente cheiro de suor, vômito antigo, álcool e tabaco mais forte que nunca. Sim senhor, tudo como de costume, exceto talvez por aquela insistente névoa densa. Se o elfo fosse um habitante das grandes cidades, reconheceria o nevoeiro como o mesmo que cobriu quase todo Arton há exatamente dez anos atrás. Um nevoeiro que trazia destruição e maldade pura, na forma dos homens de preto.
Dois desses homens entraram derrubando a porta, mantos negros até os calcanhares, faces lívidas, quase etéreas e os cabelos tão pretos como os de Tenebra.
— Ninguém se mexe. – desnecessário dizer, já que ante àquelas figuras intimidadoras, todos no lugar congelaram. Todos exceto o pirata, que pulara o balcão e se abaixara lá atrás. — Há aqui alguém que procuramos. Usa um chapéu, modos espalhafatosos, cabelos longos e cavanhaque. – ninguém, nem o som de talheres, nem nada. O outro homem aproximou-se do que falara e murmurara-lhe algo. — Ah sim, porta duas pistolas presas à cintura. – Súbito, trovão. Ou pelo menos, barulho de um. Na verdade, era uma das armas que o homem acabara de citar, o cano ainda fumegando. A bala acertara o piso bem em frente a um dos pés, cobertos pelo manto negro.
— Sabia que sentiriam minha falta, queridos. – sorrisinho de esgar na face do pirata, a pistola rodando na mão direita.
— Rheinz Hawk, prisioneiro da... – interrompido. Por outro tiro, dessa vez mais perto dos pés.
— O que eu te disse? Rheinz Hawk, O FORASTEIRO DO INFERNO! – agora cada uma das mãos segurava um dos “cospe-chumbo”, de forma displicente. – Será que vocês sacerdotes são assim tão ruim de aprendizado? – apesar da voz nervosa, o pirata continuava com sua expressão divertida, à beira de um ataque de risos.
— Você deve nos acompanhar, entregue-se e evite maiores sofrime... – Interrompido, de novo, mas dessa vez por uma gargalhada seca.
— Ouvi direito? Me entregar? Aposto cinco doses de rum que, mesmo se estendesse minhas mãos para serem algemadas, você ainda ia me deixar escapar! – Os dois homens continuavam estáticos, os lábios apenas uma linha abaixo do nariz enquanto os cabelos negros tremulavam com o vento que adentrava a taverna. — Agora, dêem-me licença que eu tenho um navio para achar e tripulação para recrutar. – um pulo, seguido de uma acrobacia e Hawk estava sobre um joelho, de frente para a porta e nas costas dos homens, que em instantes já se viravam, um deles proclamando com voz firme.
— Leen, aprisione meu inimigo. – Rheinz de joelhos, parado feito pedra. O outro sacerdote se aproximava e, quando atingiu um metro de distância, o pirata girou para a esquerda, apoiando um braço no chão e perfurando uma garganta com um tiro. Levantou-se de um salto, mostrando o dedo médio da mão esquerda, onde um anel prateado brilhava intensamente.
— Francamente, Julius, você achou que me pegaria com uma magia dess... – o punho do homem que se chamava Julius socou o ar e uma lufada jogou Rheinz com a força de cinco homens contra a parede da taverna. O pirata, agora caído, murmurava incoerências, à beira de apagar. O sacerdote que restara aproximava-se com um sorriso ainda mais branco que a própria pele, pegou ambas as mãos de Hawk e quando realizava uma prece ao seu deus, um baque sobre humano jogou-o no chão enquanto dentes e unhas destroçavam seu rosto, transformando-o em uma massa disforme e sanguinolenta.
Rheinz abria um dos olhos, fazendo uma cara de espantado ao ver um lobo cinzento quase do tamanho de um boi sobre um dos sacerdotes. O animal, quando acabara de se divertir, virara-se a ele, os dentes pontiagudos banhados em sangue, pêlos eriçados, olhos brilhantes de quando o predador encurrala a presa.
— Cãozinho bonito... você não vai querer me comer não é? Sério, tenho gosto de carne estragada, olha... – com uma mão estendida para o animal, a palma aberta, em um gesto inútil de tentar mantê-lo afastado, Rheinz mordiscou o outro braço, fazendo uma careta infantil. O lobo começou a se erguer e, por um instante, o pirata pensou que iria para o Reino do Grande Oceano, mas, ao invés de pular em cima da presa, o lobo foi se tornando um bípede, os pêlos dando lugar à pele, o focinho encurtando, o corpo tornando-se humanóide e, em instantes, Aramil estava à sua frente, com os dentes élficos ainda sujos do sangue do sacerdote.
— Oh, um elfo... – disse Rheinz ironicamente, suspirando de alívio enquanto se erguia.
— Agradeça à Deusa por ser só um elfo, não? – risada, aperto de mãos, agradecimentos, tudo à frente de beberrões pasmos.
— Lembrarei-me disso. Agora... – olhou para os lados, um traço discreto de aflição. — Vamos sair daqui. Deve haver mais deles chegando.
— “Vamos?” Só porque te ajudei não quer dizer que vá tomar parte dessa sua fuga louca que eu não tenho a mínima idéia da causa. – Rheinz estreitou bem os olhos ao escutar, mordendo o lábio inferior. Em seguida, riu, dando um tapinha no ombro do amigo.
— É, claro. Vamos lá, você não vai dormir nessa pocilga fedorenta não? Podemos ir para o prostí... quero dizer, podemos ir para a floresta, que tal? – sobrancelhas erguidas, sorriso persuasivo. É quase impossível fazer um pirata desistir de uma idéia.
— Ok, ok. Preciso mesmo de uma boa noite de sono... Mas você vai me contar o que está acontecendo. - respondeu Aramil, franzindo o cenho de forma pensativa. Druidas não podiam dormir em cidades sob o risco de ficarem temporariamente sem as dádivas de sua Deusa.
— Por dez tibares fazemos qualquer negócio! - e saíram pela porta da frente, correndo pelo porto, logo atravessando a cidade, rumo à floreta nas redondezas de Malpetrim. Atrás deles, bem atrás, ocultos nas sombras, um contingente de sacerdotes negros ocultos em uma névoa mortiça.
terça-feira, 17 de fevereiro de 2009
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da até orgulho em falar "já joguei uma aventura desse cara"... pena que era na net naum rendia mtu mas ele é criativo d++ um dia dividiremos uma mesa, alguma bebida, bons jogadores, boas aventuras (fora da net pq nela jah tive mtas), boas risadas e mtaaaa diversão!!! lol rlz
ResponderExcluir- Alguém me passa os dados por favor...