Lenda Urbana
Você sabe que está ficando velho quando não consegue acertar com muita precisão o vaso sanitário, mesmo sóbrio. Bem, pelo menos era isso que Greg pensava enquanto observava os respingos dourados na porcelana branquinha da Deca. Pensava filosoficamente que lá estava quase todo o resultado de todas as porcarias que ingerira na noite anterior, ao menos de todas as porcarias líquidas. Sem se preocupar em apertar o botão da descarga, afinal era bem cedo e nenhum homem dá descarga cedo e de ressaca, Greg saiu para o quarto esfregando compulsivamente a nuca. Girou nos calcanhares e fitou a si mesmo no grande espelho do banheiro, posando em diferentes formas de fisiculturismo, na ridícula ceroula com ursinhos tocando saxofone. Apesar da vestimenta, ficou feliz com o que viu. Nada mal para um sujeito que entrava nos quarenta anos com poucos hábitos consideravelmente saudáveis.
— Não vai levantar, beibi? – olhou para um monte sob as cobertas e o monte resmungou de volta. Greg riu:
— Tudo bem, eu vou sair para comprar pão e – cortou a palavra cigarros com um acesso fingido de tosse. Emendou: — E leite. Faço o café pra gente. – o monte continuou indiferente e Greg começou seus rápidos ritos matinais. Banho ligeiro, dentes escovados e alguma roupa casual chique. Jeans, camisa, relógio. Completou tudo com óculos escuros e deu uma leve ajeitada nos cabelos negros que começavam a, talvez quem sabe, adquirir um tom meio cinza. Pegou as chaves do Ford e se mandou na manhã nublada.
Greg era um solteirão convicto. Nunca se casara, nem pretendia – ainda que guardasse uma aliança falsa na gaveta do criado-mudo para situações emergenciais em que precisasse fugir de alguma maluca ou conquistar alguma maluca. Porque, sabe como é, algumas mulheres preferem um homem com um anel na mão esquerda. Tinha dinheiro o bastante para viver de forma confortável e desajuizada, trabalhando muito pouco, tudo isso graças às mentes empreendedoras do pai e do avô, que criaram uma gigantesca agência de, bem, moda. Uma das poucas coisas que Greg sabia a respeito da companhia, além dela ser uma fonte inesgotável de dinheiro e mulheres, era o nome: Lust & Luxury. Meio engraçado pensar que aquilo tudo saíra da mente de dois homens e, claro, todo mundo até hoje insiste em duvidar da masculinidade do velho Greg, pai do jovem Greg, e do avô Sue. Que tipo de homem chama Sue, afinal? Tudo culpa desses fãs idiotas do Johnny Cash, evidentemente. De qualquer forma, Greg não se importava com as pessoas questionando a sexualidade da geração masculina de sua família e, volta e meia, dele mesmo. Os ogros sempre vinham com aquele papo de solteirão-velho que nunca se casara, criticando o fato dele se vestir bem, entender de vinhos, saber cozinhar e quebrar um galho na pista de dança. Prefiriam ignorar a quantidade exponencial de modelos, aspirantes a modelos e mulheres comuns dando sopa em bares que Greg conseguia levar para debaixo dos lençois (sendo lençois uma metáfora, porque as atividades não se resumiam à cama, sem dúvida).
— O sucesso atrai inveja. – afirmou o quarentão enquanto rodava pelo tráfego momentaneamente tranquilo da cidade, braço esquerdo sobre a porta e um cigarro encaixado entre os dedos. O maço de Dunhill novinho estava aberto e jogado no banco do passageiro junto com um saco pardo de pães. Curtia o vento agitando os cabelos e apreciava a brisa meio fria da manhã, desfilando pelas ruas no seu Mustang conversível. O próximo passo era passar na sede da companhia e conversar com Suzi, ah, a belíssima Suzi. Usando aqueles óculos retangulares de aros pretos, o cabelo louro sempre feito em um coque austero e aqueles terninhos de advogadas escondendo-lhe as formas adoravelmente palpáveis. Greg nunca tivera nada com ela, claro, porque Suzi era como uma irmã mais velha - uma irmã mais velha muito gostosa, mas, ainda assim, uma irmã. Ela crescera sempre próxima do garoto Greg, filha de uma grande amiga de mamãe. Uns cinco anos mais nova, mas, desde que crescera, sempre se comportara de forma mais madura. As más línguas especulavam, e dessa vez corretamente, que os laços entre ela e Greg iam bem mais além do que convívio infantil: eram meio-irmãos, Suzi o resultado de uma escapulida de Greg-pai do casamento. Era engraçado como os fofoqueiros insinuavam que Greg-pai fosse, ao mesmo tempo, bicha e um marido capaz de ter filhas fora do matrimônio.
Estacionou o Ford obliquamente ao meio fio, naquele jeito de parar o carro para economizar vagas, e saltou – literalmente – para a rua. Puxou as mangas da camisa um pouco mais para cima e subiu correndo para o prédio, empurrando as portas de entrada como um rei indolente entrando no castelo. O prédio gigantesco possuía uma marquise na qual, em letras adornadas com imitações de diamantes, lia-se o nome da agência. O saguão de entrada era uma coisa esplendorosa, com um enorme balcão circular no centro, onde ficavam um monte de secretárias usando fones de ouvido e redirecionando ligações sem parar. Havia várias palmeiras ornamentais, assim como outras plantas, espalhadas no recinto. Nos quatro cantos do salão, jardins de inverno triangulares completavam o toque ecológico. O piso era granito e fazia os saltos dos sapatos de Greg produzirem altos estalos enquanto ele caminhava. Algumas garotas entre quinze e dezoito anos, sentadas nos sofás marrons de espera, olharam-no com cobiça. Mas só algumas sabiam quem era aquele narcisista.
— A Suzi tá aí? – perguntou Greg enquanto apoiava um dos cotovelos sobre o balcão e ficava de lado para dar uma checada bacana nas aspirantes a modelo. Estas, por suas respectivas vezes, lhe dirigiam alguns olhares fugidios e trocavam risadinhas entre si.
— Na sala dela, sr. Greg. Disse que há algo que possa ser do seu interesse lhe esperando. – falou uma das recepcionistas, uma mulher de vinte e poucos, pele acastanhada e olhos repuxados. Claras influências indígenas que lhe davam um ar de mistério. Greg agitou-se todo com as palavras dela e saiu correndo rumo ao elevador.
Pressionou o botão umas cinquenta vezes enquanto balançava uma das pernas. Depois de uma longa espera e uma subida um pouco mais rápida, surgiu nos corredores do nono andar. Ele sabia que lá estavam as salas do pessoal responsável pela contratação e agenciamento das diferentes modelos e a chefe da seção era a própria Suzi. Sua sala era a maior, uma das paredes sendo toda feita de vários retângulos de vidro, conferindo uma vista esplêndida da metrópole aos seus pés. Aos pés da Lust & Luxury. Na verdade, a sala de Suzi perdia - em luxo, tamanho e bom gosto - apenas para a sala de Greg. Ele bateu na porta duas vezes, toc toc, e já girou a maçaneta.
— Suzi, sua linda, aqui estou! – gritou feito uma criança e adentrou olhando para a mesa da amiga. Sentada sobre uma cadeira grande e confortável, ela estava de cabeça baixa encarando um monte de papéis. A mesa era longa o bastante para obrigá-la a deslizar com a cadeira para ir de um extremo a outro, afogando-se em pastas de fotos, materiais de clientes, catálogos de alguma marca de roupa famosa, etc. Ela ergueu os olhos com indiferença ante a entrada triunfal de Greg e voltou a se concentrar no trabalho. Não parecendo afetado por isso, ele caminhou até uma das três cadeiras em frente à mesa e se sentou, colocando a sola dos sapatos a alguns centímetros do rosto de Suzi. Se percebeu, ela ignorou.
À esquerda deles estava a deslumbrante parede de vidro. Um pequeno e único degrau uns cinco metros antes formava uma espécie de tablado onde estava uma mesinha redonda e um par de cadeiras, o local perfeito para tomar um cházinho, fumar uns, e se perder na vista de tirar o fôlego. No mais, à direita, estava um grande sofá branco sobre o qual Greg babara diversas vezes em cochilos pós-noite varada. Quadros, flores e todo um monte de cacarecos enfeitavam a sala. Havia fotos da família de Suzi (que incluía parte da família de Greg), fotos do marido e do casal lindo de filhos.
Depois de quase um minuto, Suzi ergueu brevemente os olhos encarando Greg por cima dos óculos.
— Então, a que devo essa visita repentina numa antes tranquila manhã de sábado, pequeno Greg? – não falava dum jeito agressivo. Na verdade, a voz era embalada em uma ironia bastante divertida e levemente recriminatória. Uma perfeita irmã mais velha que se conformou com o irmão perdido que tem.
— Ah, vim buscar novidades. E a gatinha morena lá do térreo disse que você as tem. Portanto... – e ele prolongou o “a” para dar ênfase. — ...Nada de esconder o jogo!
— Gregory, eu já escondi o jogo de você alguma vez? – parecia estar ofendida, mas não estava. Não esperou por resposta e bateu com a caneta que segurava sobre uma pasta preta à esquerda de Greg. — Três garotas novas estiveram aqui ontem. Já selecionei algumas fotos de trabalhos anteriores e anexei telefone e e-mail pra você. Só tente não ferrar tudo, ok? – e ela deu um sorriso forçado, formando adoráveis covinhas nas bochechas.
— Eu nunca ferro tudo, Suzi. – e piscou um olho. Os dois sabiam que era mentira, claro.
A principal técnica de abordadem de Greg era bastante eficaz, ainda que um pouco arriscada. Ele escolhia modelos recém-chegadas à Lust & Luxury e entrava em contato antes da fatídica segunda feira na qual as garotas conversariam com Suzi e com outros sujeitos importantes da companhia, fariam testes e procurariam por algum trabalho que as aceitasse. Greg as chamava para sair com o pretexto de conhecer melhor a nova cliente e claro que garota alguma iria negar sair com o bonitão dono da agência na qual acabara de se inscrever. Não demorava muito e elas eram seduzidas para uma agradável e intensa noite, recheada de coisas extremamente importantes para alavancar a carreira, meus amores. Depois, para não ser um canalha completo, Greg pressionava mundos e fundos na companhia para que a sua convidada do fim de semana conseguisse um trabalho e aquela noite de prazer valesse a pena para ela. Porque ser usada em troca de algum sucesso e dinheiro, tudo bem, tudo certo, tudo ótimo, claro.
Às vezes, contudo, Greg escolhia garotas jovens demais e para quem as coisas acabavam não dando muito certo. Então, dominadas pela fúria do fracasso, as menininhas tentavam acusá-lo de estupro, abuso de menores, ou qualquer coisa parecida. Deve ter acontecido umas duas ou três vezes, mas nenhuma das acusações colou. Na verdade, apenas uma das garotas recusou o incentivo financeiro oferecido em troca da desistência do processo. Erro feio, malandra. Acabou sendo humilhada pelos brilhantes e caros advogados da L&L.
A vida era, afinal de contas, boa para Greg. Ele acreditava sinceramente que, se mais homens soubessem como o mundo da moda poderia ser fértil para um heterossexual, haveria bem mais caras interessados na São Paulo Fashion Week, pode apostar.
Correra os olhos verdes faiscantes pelo catálogo que Suzi lhe mostrara, apreciando as fotos com os lábios ligeiramente entre-abertos, deslumbrando-se com formas, posições, rostos e olhares de um jeito que era quase púbere. Talvez, em se tratando de idade mental, Greg nunca abandonara a puberdade. As três garotas novas eram absolutamente maravilhosas – e não era assim com todas as modelos? – e Greg se sentiu incapaz de escolher uma, porque, se numa hora decidia-se pela morena de olhos azuis e sorriso de dar inveja à Cameron Diaz, a ruivinha e seu ar de camponesa inocente protestava com uma carinha tão meiga. Isso sem nem chegar à loura, cujos cabelos claros e resplandescentes constituíam uma das maiores preferências do garotão. Aquelas três modelos eram As Panteras de Greg, ah, claro que eram!
— Suzi, vou levar todas! – ele bradou por fim, anotando os números de telefone e os nomes. Possuía uma memória privilegiada e certamente não faria associações erradas entre um e outro. Riu gostosamente enquanto Suzi apenas balançou a cabeça de um lado a outro. O que mais poderia fazer? Greg levantou-se com um salto e saiu de forma tão súbita quanto chegara, jogando um último beijinho e murmurando vários obrigados, oh, o que eu faria sem você Suzi, minha linda.
Arrancou com o Mustang enquanto acendia outro cigarro, segurando o volante com os joelhos. Jogou o isqueiro e o maço dentro de um porta trecos que ficava logo à frente do câmbio, sob o painel. Deu uma olhadela para os pães e pensou que, àquela altura da manhã, sua companheira da noite passada já deveria ter arranjado um jeito de ir embora. Se não, paciência. Chegaria em casa, prepararia uma deliciosa omelete e, depois de alimentá-la, iria pagar um táxi. Porque agora era sábado e havia três panteras esperando para serem domadas, sim senhor.
Entrou com o carro na avenida Imperador, uma das vias de referência na cidade, com um canteiro central enorme e repleto de árvores centenárias com troncos tão grossos quanto velhos. Parou no semáfaro e botou o carro em ponto morto. Aumentou o volume do som (so you think you’re a Romeo, playing a part in a picture-show) e passou a tamborilar os dedos no volante, assobiando no ritmo da música (we take the long way home, take the long way home) e dando uma checada nos carros ao redor, vendo tudo sob as lentes escuras dos óculos. Sorria para todo mundo com os dentes ofuscantemente brancos e sabia que as pessoas olhavam para ele, sorriam de volta, apontavam e diziam “lá vai o dono lindo, rico e maravilhoso da L&L”. Sabia que os caras (menos os ogros ignorantes e idiotas, claro) queriam ser como ele e as mulheres queriam, todas, um pedaço dele. Contemplou a si próprio no retrovisor central, ajeitou algumas mechas de cabelo que caíram de volta no exato local em que já estavam e sorriu satisfeitíssimo com o resultado. A luz ficou verde, engatou a primeira e arrancou com uma acelerada agressiva seguida de uma freada brusca. Os pneus não cantaram, mas o carro deu um forte solavanco, por pouco não atingindo uma garota que, porra, de onde ela surgira afinal? Pareceu se materializar bem em frente ao carro, sobre a faixa de pedestres da esquina.
— Ei, você quer morrer menina? – ela olhou assustada e esbaforida, as mãos apoiadas no capô do carro e o cabelo louro desgrenhado caindo para frente junto com todo o corpo esguio. Empertigou-se e gritou vários pedidos de desculpa, mas ainda travava a passagem de Greg. Carros buzinavam logo atrás. Greg agitou as mãos querendo fazê-la sair da frente e ela o fez, mas correu para a porta do passageiro e pulou para dentro do veículo, jogando o saco de pães no banco traseiro.
— Que porra é essa?! – ele gritou revoltado, e agora, mais de perto, deu uma sacada na garota e viu que ela era bem bonitinha, apesar do ar assustado e da vestimenta desleixada. Usava uma blusinha branca de alças manchada por uma coisa meio marrom escuro parecendo chocolate, short cáqui e sandálias. As alças rosa claro do sutiã eram visíveis sob as da blusa. Ela tinha olhões grandes e azuis, a pele era clarinha mas estava toda suja nos braços, pernas e um pouco no rosto. Fitava-o como uma gatinha assustada. Greg sentiu-se levemente, mas só um poquinho, excitado. Não estava mais tão nervoso, afinal.
— Dirige, dirige! Pelo amor de Deus moço, dirige! – ele arrancou com o carro enquanto a mocinha girava o pescoço para todos os lados ao mesmo tempo, olhando frenética para o movimento em volta. Por fim, aquietou-se e se esparramou no banco, exalando o ar num longo suspiro de alívio.
— Que merda tá acontecendo? Quem é você? – avançava quarteirão a quarteirão, os semáforos sempre abertos. Ela olhou e arqueou as sobrancelhas.
— De onde eu te conheço? – meio sem querer, ela acabou acariciando o ponto mais sensível, vulnerável e insaciável de Greg: o ego. Ele levantou os óculos e deu seu melhor sorriso de modelo.
— Sou o dono da L&L. – nem olhava para a rua. A moça não esboçou sinal de familiaridade. — Lust & Luxury? A agência de modelos? – insistiu ele. Os olhos dela faiscaram e uma expressão obscura transpassou seu rosto por não mais que um segundo. Ela sorriu:
— Oh, sim, sim. Agora reconheço você! É bem mais deslumbrante do que nas revistas. Quantos anos tem, uns vinte e cinco? – e, céus, ela praticamente lambia o ego de Greg. O garotão contorcia-se de prazer no banco do motorista e o carro sempre seguindo. O semáforo da esquina seguinte ficou amarelo e então vermelho. Greg começou a reduzir.
— Ah, bondade sua. Eu malho bastante, bebo uns vinhos aí, e... – então a parte racional da sua mente voltou a assumir o controle: — Mas quem é você, pelo amor de Deus? O que aconteceu? – perguntou impaciente. Ela riu e falou em tom casual:
— Tava fugindo dos tiras. Acabei de matar um cara. – e deu um sorrisinho que era terrível. Greg riu e o carro finalmente parou, o primeiro na fila do semáforo. Ele começou a articular uma nova pergunta, mas a garota simplesmente pulou fora do Ford e girou a cabeça para trás, os cabelos desgrenhados cobrindo parte do rosto sujo numa expressão feroz. Greg pensou que só faltava um rosnado. Ela sorriu provocativa:
— ‘Brigado pela carona! A gente se vê, gatão. – e deu uma risada gostosa enquanto Greg tentava conseguir um telefone ou pelo menos seu nome, moça.
— Ei! Ei! – ele gritava, mas ela já se perdia em meio a multidão das calçadas.
O semáforo brilhou em verde.
***
A tarde fora gasta em horas na academia e em ligações para agendar o encontro noturno com as três modelos que, por uma feliz obra do destino, moravam na mesma república. Depois de suar como um boi de carga durante umas duas horas puxando ferro, correndo em esteiras e bicicletas, Greg desceu aos fundos da casa (porque a gigantesca e modernosa academia ficava no segundo andar) e foi se refrescar com um delicioso banho de piscina. Eram umas cinco horas e o sol começava a adquirir tons mais alaranjados e escuros, um sol gostoso e de um calor agradável. Deitado nas escadas da piscina, Greg relaxava de olhos fechados. Um drink vermelho vivo recém-preparado por Walty, o mordomo, repousava na borda direita.
Greg sentou-se, a água cobrindo-lhe até a cintura e pegou o copo. Mexeu o gelo lá dentro com um pequeno cabinho e bebeu dois goles ávidos seguidos de um gemido de puro prazer. Ergueu a bebida à altura dos olhos e apreciou o reflexo do sol vespertino no copo, o líquido rubro reluzindo ante à luz. Às vezes parecia que bebia sangue, mas um sangue bem vivo e claro, nada em borras marrom escuras.
— Bloody Mary. – murmurou baixinho para si mesmo. Mal conseguia se lembrar da última vez que tomara aquele drink, considerado por Max Davidson como o cocktail mais complexo do mundo. Sentira um ímpeto indescritível, um desejo que poderia ser equiparado aos desejos das grávidas (não que ele já tivesse passado por isso antes) de tão forte que era. Logo ao sair da academia, pedira para Walty fazer uma deliciosa Bloody Mary enquanto ele iria se refrescar ali na piscina, sim senhor. Os mal apreciadores de drinks costumam reduzir o Bloody Mary à seca expressão suco-de-tomate-e-vodka. Nada poderia ser mais injusto. Havia, sim, suco de tomate e vodka, mas resumir uma boa Bloody Mary a isso seria o mesmo que resumir uma boa loura aos cabelos claros. O suco e a vodka são fundamentais, assim como as mechas douradas, mas existem inúmeros outros temperos essenciais para compor tanto o sabor de uma perfeita Bloody Mary, quanto de uma esplêndida loura.
— Bloody Mary. – ele murmurou de novo, sentindo um arrepio percorrer-lhe a espinha. Estava ficando mais escuro agora e a brisa noturna começava a soprar, gélida e constante. De repente, sentiu-se extremamente desconfortável, vulnerável sozinho ali na piscina durante o anoitecer. Pegou o drink e se mandou para dentro, deixando um rastro de água (sangue?) por onde passava.
— Bloody Mary. – murmurou mais uma vez enquanto fechava as portas de correr que levavam à piscina, contemplando a área de lazer sob o lusco-fusco. Riu como um maníaco e bebeu mais um gole.
Alguma coisa mudara com o cair da noite, alguma coisa no espírito de Greg. Continuava inquieto e ativo como sempre, mas agonizava. O encontro com as três garotas de logo mais ficara reduzido a um espacinho no fundo de sua cabeça, que era agora dominada pela figura misteriosa da carona, os cabelos desgrenhados e os olhos agressivos lhe encarando antes de sumirem na multidão. Pensava nela de forma quase obsessiva e frustrada, porque sabia que nunca mais encontraria aquela mulher de novo. Então, bebia. Fizera Walty preparar mais duas Bloody Mary e jurara a si mesmo que beberia mais delas quando chegasse ao pub do encontro. Só pensava no drink vermelho e no rosto da estranha, no rosto da estranha banhado de vermelho. A brisa noturna soprava mais forte agora, fazendo as janelas vibrarem em suas estruturas.
Greg checava-se no enorme espelho do banheiro de modo semelhante ao qual fizera de manhã. Vestia um jeans preto e um tênis esporte mais caro que uma scooter. Nem mesmo seu estado de espírito esquisito conseguira aplacar o narcisismo inerente do sujeito e ele continuava a fitar a si próprio, aos músculos exaustivamente trabalhados durante a tarde. Quando finalmente cansou de olhar, vestiu uma camisa também preta com várias linhas brancas verticais, encaixou o Rolex no pulso esquerdo e jogou beijinhos a si próprio. Estava bêbado e buscando desesperadamente por prazer. Hedonista por opção, agora era por necessidade. Sentia que a bebida e o sexo eram as únicas coisas capazes de aplacar a angústia que vinha assomando-se em sua alma de um jeito tão assustador. Desejou que ainda houvesse sol lá fora e que a brisa noturna parasse de soprar. Mas a lua crescente continuou brilhando impassível, seu arco reluzente e prateado um sorriso de escárnio ante as preocupações do nem-tão-jovem Narciso.
O pub arranjado como local do encontro era um ponto movimentado da vida noturna da cidade, recebendo desde fanáticos por futebol a universitários a fim de beber todo o estoque de cerveja do bar em uma única noite. O balcão tinha o formato de U e ficava em frente à porta de entrada, ladeado por tamboretes de madeira. Mesas redondas eram espalhadas pelo salão, rodeadas por cadeiras sem estofado. A decoração consistia de escudos e bandeiras de diferentes países e times de futebol, além de uma enorme espingarda presa na parede aos fundos do balcão. Havia quadros de fotos dos donos em porres homéricos, naquelas mesmas mesas, décadas atrás e vários outros itens aleatórios, como um mapa múndi pregado na parede direita. Em um dos cantos do salão havia um tablado pequeno reservado para as noites de música ao vivo. Para coroar a miscelânea sem sentido que era o pub, o nome: Saint James.
Nas noites de sábado, um trio relativamente famoso nas redondezas era responsável pela música ambiente. Denominavam-se Os Saias-Justas e tocavam estilos de música tão variados quanto o humor dos clientes, sendo que o grosso do repertório resumia-se a versões acústicas e “folkeadas” de sucessos do pop dos anos oitenta e noventa. Faziam bastante sucesso com a interpretação particularmente interessante de Tainted Love, do Soft Cell. A banda era feita por três homens e o lead singer, de longe o sujeito mais simpático, era um tipo cabeludo e de cavanhaque delicado, como se fosse uma cópia do Orlando Bloom nos Piratas do Caribe.
Quando Greg e sua mente agitadamente confusa entraram no St. James, ouvia-se Save A Prayer e os caras tocando violão faziam um esforço admirável para adaptar satisfatoriamente os efeitos eletrônicos ao som acústico. A percussão não passava de um cajon. Bastaram cinco segundos para Greg focalizar suas três acompanhantes sentadas a uma mesa no canto direito, próximo do balcão e dos toaletes. Ele sorriu empolgado ao vê-las, as três em vestidos decotados o bastante para permitir uma vista mais maravilhosa do que a da sala de Suzi. Lambeu os lábios, pensando que um drink agora cairia muito bem, sim senhor. Sentia-se absolutamente esquisito e não sabia o porquê. Tinha uma ideia que envolvia o encontro com a garota estranha e as várias doses de Bloody Mary ao entardecer, mas não sabia se aquela confusão mental era devido apenas a esses dois fatos. Sua cabeça fervilhava e os membros tremiam convulsivamente. A vista dançava e pulsava com as luzes, um zumbido agudo sobrepunha-se à música e ao zum-zum-zum do boteco. Os rostos distorciam-se a cada movimento dos olhos e, às vezes, adquiriam formas assustadoras: bocas repuxadas até as orelhas em sorrisos que pareciam os sorrisos do gato da Alice, olhos que derretiam para fora das órbitas, as roupas de todos manchando-se de sangue.
— Um Bloody Mary! – gritou ao balcão enquanto massageava as têmporas, pensando que tudo isso era falta de uma boa dose e duma boa trepada.
— Quê?! – respondeu um tipo forte e moreno enxugando copos. Merda de incompetente surdo do cacete. Greg respirou fundo e repetiu, conseguindo controlar a voz:
— Bloody Mary.
— Quê?!?! – o sujeito franziu o cenho e esticou o pescoço para frente, girando a cabeça para posicionar o ouvido bem na direção do som. Greg gritou:
— BLOODY MARY, CARALHO! – e o cara dessa vez ouviu. Resmungou alguma coisa sobre educação e paciência. Instantes depois, Greg carregava o drink para a mesa das garotas ansiosas.
Todas fizeram menção de se erguer para cumprimentá-lo, ao que Greg reagiu cordialmente pedindo que permanecessem sentadas. Puxou uma cadeira para si e encontrou uma posição confortável entre Julie, a loura e Judy, a morena. Jenny, a ruiva, estava à direita de Julie e eram tantos jotas que a cabeça alcoolizada de Greg girava. Ainda bem que ele era muito bom em associar nomes a rostos, e que rostos companheiro! Era tanta beleza emanando daquelas três criaturinhas, tanta sexualidade subserviente, prontinha para se dispor a todo o tipo de safadeza que fosse capaz de garantir uma carreira brilhante, que ele começava a se sentir melhor. Bebia, fechava os olhos e deixava o corpo todo ser dominado por perfumes inebriantes, oníricos, odores tão tentadores quanto afrodisíacos.
Como de praxe, Greg abriu a noite com o discurso memorizado sobre as pretensões da agência, os objetivos, a tradição, o empenho e todas aquelas merdas que a faziam ser a melhor agência de modelos do país e uma das mais renomadas no mundo (não graças a você, pequeno Greg). Dizia àqueles olhões (olhos grandes e intrigados como os da garota da carona) que a L&L não podia se dar ao luxo de ter, entre suas agenciadas, garotas que não fossem comprometidas com o bem estar do próprio corpo – e por bem estar, queridas, queremos dizer uma compulsão doentia em manter-se esqueleticamente magra; garotas que não estivessem a fim de realmente se sacrificar pelo trabalho. Confidenciou a elas, num tom de brincadeira honesta, que na verdade ninguém se sacrificava pelo trabalho, mas todo mundo (e é todo mundo mesmo) se sacrifica pelo dinheiro. Todas assentiam embasbacas com a seriedade e paixão com as quais aquele homem, maduro e lindo, encarava a companhia. Meia hora de conversa mole sobre trabalho e muitos drinques depois, todas elas estavam prontas para mostrar a Greg suas melhores poses em roupas íntimas. As três ao mesmo tempo, claro.
— Qual é a lingerie mais sensual para uma mulher? – ele perguntou com a voz pastosa exalando malícia.
— Cinta-liga. – respondeu Jenny de chofre. Greg fez um beicinho e balançou a cabeça dizendo que era, sim, uma boa escolha, mas não era a resposta esperada. Surpresas, as garotas pensaram mais alguns segundos e dispararam várias opções apimentadas que faziam a tensão sexual subir, sabendo que provocavam visualizações, dentro da cabecinha bêbada e tarada de Greg, de seus próprios e deslumbrantes corpos usando cada uma das peças íntimas sugeridas.
— A resposta, minhas queridas... – começou ele em tom professoral depois de mais umas tentativas frustradas. — ... É nenhuma lingerie. – e todo mundo riu, dobrando-se sobre a mesa e as mãos bobas festando sob ela.
Greg virou o copo da última dose até quase formar uma linha vertical perfeita, recebendo na boca os restos de cubo de gelo e esmigalhando-os com os dentes em um croc-croc abafado. Olhou desolado para o fundo do copo vazio, ainda um pouco vermelho graças ao líquido que há pouco estivera lá dentro. Na mesa dos quatro, o clima esquentava tanto que o balconista já dirigia uns olhares recriminatórios e bastariam mais alguns movimentos ousados daquelas três mulheres que ele mandaria um garçom sugerir-lhes, educadamente, que arranjassem um quarto.
— Garotas, garotas! Ca-calma lá! – gaguejou Greg, segurando um par de mãos que escalavam sua virilha. As meninas pareceram desapontadas, mas o garotão logo acrescentou: — Vou ao banheiro, pego mais uma dose e nós terminamos essa discussão acalorada lá na minha casa, ok? – emendou um sorrisinho charmoso.
— Okay, Greg! – as três em uníssono, convulsionando em risadinhas, completamente chapadas e lascivas.
Greg ergueu-se da cadeira rápido demais e os vários mililitros de vodka atingiram-no como uma bala. Todas as doses pareceram subir à cabeça ao mesmo tempo e ele precisou esticar um dos braços para tentar manter o equilíbrio, a visão sendo encoberta por um monte de confetes coloridos e pulsantes como neon. Fechou os olhos com força. Abriu-os. Piscou duas vezes e tudo estava legal, ótimo, tudo certo, serve mais uma aí Joe.
— Saideira? – perguntou Joe, o balconista. Greg confirmou com a cabeça e apontou para o banheiro.
— Enquanto você faz aí eu vou conversar com a Celite, falô? – saiu arrastando os pés da mesma forma que arrastava as palavras. Ficou parado alguns instantes em frente à porta do toalete, observando a plaquinha só para ter certeza de que entrava no banheiro certo.
Empurrou a porta e caminhou para dentro de um ambiente todo escuro. Um pequeno arco de luz que entrava pela porta entre-aberta possibilitou-lhe enxergar, por não mais que alguns segundos, um banheiro grande com mictórios na parede logo à sua frente, reservados à direita e várias pias à esquerda, encimadas por um espelho longo. Depois, a porta bateu com um estrondo e um rangido metálico de trinco fechando ecoou.
— Ahn? – gemeu Greg, tateando a parede em busca do interruptor. Estava, sem sombra de dúvida, muito bêbado e desorientado. Passavam-se os instantes, nada de interruptor, nada de luz. Apenas o barulho da sua respiração ofegante e dos seus tênis arrastando-se pelo piso. Sentia como se estivesse sendo espreitado, um ratinho cego e tonto batendo contra as paredes enquanto o gato observa tudo com um sorriso maníaco de dentes pontiagudos, o gato da Alice.
— Alô? Alguém aí? – ninguém respondeu, mas Greg sabia que, oh sim, havia alguém ali com ele. Alguma coisa terrível e assassina aguardando em algum daqueles reservados, ou talvez presa ao teto, talvez atrás do espelho. Esperando o momento certo para devorá-lo. Calafrios percorreram-lhe o corpo e ele sentiu os lábios incrivelmente rachados, a língua seca e a garganta áspera. Pensou que, diabos, um drink seria uma pedida excelente para acalmar os ânimos. Mas não pensou em qualquer drink.
— Bem-vindo de novo, gatão. O que vai ser hoje? Uma tequila sunrise? Ou talvez uma piña colada? – Greg estacou e prendeu a respiração. Ouvia a voz – dentro de sua cabeça? – e ela era terrivelmente familiar. Conseguia visualizar o cabelo louro desgrenhado e aquele sorrisinho terrível e selvagem. A garota estranha da carona. Um leve frisson sexual preencheu cada poro de seu corpo.
— Oh, sim, nós sabemos o que você quer, não sabemos Greg? – a voz continuou, sedutora e atraente. Perigosa, provocativa. Greg começou a caminhar hesitante no escuro, seguindo a voz que vinha de todo lugar e ecoava em toda sua mente. Sim, sabia exatamente o que ele queria.
— Sim, sim, sim! – ele murmurou de volta e percebeu que babava, um fio grande de saliva escorrendo dos lábios e caindo sobre o tecido caro da camisa. Uma risadinha mortal ribombou no ambiente e Greg achou que os espelhos houvessem rachado.
— Eu te dou o que você quer, gatão. Mas você sabe que eu quero algo em troca... – Claro que Greg sabia. Era o que as três lá fora queriam, era o que essa maluca caroneira queria, era o que todas as mulheres queriam. Ele arranjaria contrato para todas na agência, faria o possível, sim, sem dúvida. Era isso que faria. Interrompeu a mulher berrando:
— Fechado! Temos um acordo, gracinha! – e sorriu triunfalmente. Um silêncio mórbido tomou conta do banheiro. Nem Greg emitia qualquer som, apenas aguardava. Pensou incoerentemente que ela poderia ter ido embora, mas então sentiu uma respiração ardente e mortal em sua nunca. O ar úmido batendo em na pele e enlaçando seu pescoço, a um passo de estrangulá-lo. Uma mão delicada entregou-lhe algo gelado, refrescante, delicioso. Era um copo cheio de todos nós sabemos o quê.
— É isso que você quer, gatão? – ah, era sim, mas não só aquilo. Ele não disse nada, mas ela roubou-lhe os pensamentos: num instante, sentiu a mesma presença calorosa em sua frente, milímetros de distância. Emanava um calor sobrehumano, e Greg percebeu que estava muito excitado. Ela agarrou-lhe a mão livre e passou os lábios pelos dedos, conduzindo-os (de carona) por toda aquela estrada louca de curvas sinuosas. Greg sentia o toque suave da pele molhada e viscosa, embebida em sabe-se Deus o quê, sentia o cheiro delicioso dela e era um cheiro familiar (Bloody Mary, Bloody Mary, Bloody Mary).
— Derrame em mim, Greg. Beba em meu corpo. – ela ordenou num sussurro, as pernas enroscando-se na cintura do homem, a língua percorrendo o lóbulo da orelha. O escuro persistia e Greg nada enxergava, só que de alguma forma era capaz de ver, dentro de sua mente, a cena na qual se envolvia. Obedecendo sem hesitar, entornou o copo sobre a amante, molhando-a com o drink. E de alguma forma soube, de alguma forma compreendeu que mesmo antes disso, ela já estava banhada em Bloody Mary. Não, não banhada em, ela era a Bloody Mary. Um corpo estonteante de mulher desenhado em sangue, com cabelos louros emaranhados caindo até os ombros, olhos enormes tão sedutores quanto horríveis, pupilas em fenda de gato e um sorriso enorme, orelha à orelha, com dentes pontiagudos.
— Bloody Mary. – ele murmurou embasbacado, sentindo as roupas ficarem empapadas com o líquido que cobria, formava e fluía do corpo da mulher, enroscada nele e dominando-lhe os sentidos, dominando-lhe as vontades. O copo veio ao chão.
— Repete, querido... – ela sussurrava em seu ouvido, deslizando (arranhando) as mãos meladas pelo seu corpo, mordiscando cada centímetro de pele ao alcance daquela boca cheia de dentes pontiagudos, que não parava de sorrir. Um sorrisinho terrível (gata da Alice, gata da Alice).
— Bloody Mary. – Greg repetiu não porque queria, mas porque não conseguia fazer outra coisa. O corpo dela tremeu de excitação sobre ele. Oh, mais uma vez docinho, mais uma vez e tudo estará acabado, sim, com certeza. Tudo estará acabado e será bom, será delicioso para todo mundo.
— Bloody Mary. – ele repetiu na escuridão do banheiro.
A única testemunha confiável e que não estava bêbada demais no momento do incidente que viria a constituir o Caso Luxury era um negro corpulento chamado Joseph Harris, o bartender do St. James nas noites de sábado. Ele relatara à polícia que uns trinta minutos após o senhor Gregory Luxury pedir o último drink da noite e entrar no banheiro, uma loirinha bonitinha e frágil saíra do toalete masculino, usando uma blusa branca de alcinhas manchada com alguma coisa marrom-escuro, parecendo chocolate, e um shortinho simples. Contou com um certo orgulho sonhador que, enquanto saía, dirigira-lhe uma olhadela curiosa e interessada, com direito a um piscar um de olhos e um sorriso.
— Eram uns olhos, claros, enormes, você seria capaz de pular naquela piscina azul redonda e passar lá o resto dos seus dias. – ele contou, deslumbrado, aos policiais. Depois, relatou que, como o sr. Greg não dera sinal de vida e as três garotas começavam a ficar impacientes e a causar muita balbúrdia, resolveu investigar. Tinha quase certeza de que Greg, bêbado como estava, havia caído no sono enquanto mijava.
Empurrou a porta do banheiro e acendeu as luzes. Elas piscaram insistentemente, como se relutassem a iluminar o lugar. Quando finalmente o fizeram, Joe sentiu uma onda de náuseas muito forte, o gosto ácido da bile banhou-lhe a garganta e as pernas por pouco não cederam ante ao horror cruel em sua frente. O corpo de Greg estava estirado no chão do banheiro sobre uma poça de sangue e dum líquido vermelho um pouco mais claro e inconsistente. Os olhos haviam sido arrancados pelo que pareciam ser garras, que deixaram vários arranhões ao redor das órbitas, como uma pintura de guerra indígena. No lugar dos globos oculares, estavam os testículos de Greg. A genitália também havia sido arrancada e se encontrava entre os lábios, secos como areia, do sujeito. A roupa fora estraçalhada e banhada em sangue, o corpo marcado com vários sinais de garras que se prolongavam pelos braços, tórax, abdome e virilhas. Gregory Luxury era a terceira vítima do assassino que os policiais vinham chamando de “A Loira do Banheiro”. A mesma garota era sempre vista nas cenas, o modus operandi possuía pouquíssimas variações e as vítimas eram todos homens solteiros notórios por suas várias parceiras.
— Obrigado, senhor Joseph. Entraremos em contato se precisarmos. – falou o delegado.
Joe saiu da delegacia para a tarde ensolarada lambendo os lábios rachados e secos. A garganta permanecia áspera, não importanto quantos copinhos de plástico cheios d’água ele bebera durante o depoimento. Tudo bem, ele daria um jeito nisso. O plano da tarde era passar no supermercado e comprar uns tomates gordos e uma garrafa de Smirnoff, quem sabe duas. Isso resolveria o problema da sede, oh sim, resolveria.
— Bloody Mary.
— Isso, oh sim. Repete, Joe querido, repete.
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